#09 Histórias de quem vai e de quem fica
Mais de oito meses depois, conto como foi "sobreviver" a uma demissão em massa e o que eu aprendi ajudando a empresa a recomeçar
Em novembro do ano passado, tive uma das semanas mais difíceis da minha vida. Foi tão difícil que comecei a escrever esse texto em fevereiro, mas só agora estou conseguindo terminar.
Quando soube que a empresa em que trabalho passaria por uma demissão em massa, eu tinha acabado de chegar do enterro da minha avó. Era quarta-feira, dezesseis de novembro. Minha então diretora havia sido demitida e mais algumas dezenas de pessoas também seriam no dia seguinte.
Não vou dizer que perdi meu chão naquele momento porque eu já o havia perdido dois dias antes, quando me dei conta que, após três anos de luta contra uma doença pulmonar, minha vó estava realmente partindo. A notícia das demissões foi a gota d’água para uma crise de ansiedade que chegou por cima da tristeza e só passou porque, felizmente, eu tinha consulta com o psiquiatra no início daquela noite.
O dia seguinte chegou e fico exausta novamente só de me lembrar. A pedido do meu atual chefe, fui para o escritório. Não vou contar detalhes de como tudo aconteceu, mas vocês devem imaginar que foi um dia pesado. Eu fiquei, mas perdi minha líder, meus pares (GPM e Head de Design) e quatro das cinco pessoas do meu time.
Medo. Raiva. Confusão. Alívio. As emoções se misturavam entre os que ficaram. “Que bom que eu fiquei, mas que m*rd@ que vou precisar me despedir de tanta gente boa.”
Eu, tentando não chorar (talvez auxiliada pelo fato de já ter esgotado minha cota de lágrimas da semana), entrei em uma sala com as quatro PMs do meu time que haviam sido desligadas. Todas elas estavam serenas, tranquilas, gratas. Embora não esperássemos que a demissão ocorresse naquele momento, todas sabíamos que a empresa estava passando por um momento difícil, assim como muitas outras no mercado. Fizemos o possível pra dar tudo certo, mas não deu.
Depois do almoço, decidi voltar pra casa. Precisava de um tempo para mim, ainda que fossem apenas os vinte minutos do Uber. De um dia para o outro, eu me tornara a única liderança de produto da empresa, liderando quatro Product Managers e dois Product Designers (sendo que apenas uma PM já estava na minha tribo anteriormente).
Conversei com cada um deles à tarde e foi quando o primeiro aprendizado me atingiu: Todo mundo sabe como é difícil pra quem sai, né? Eu não imaginava como seria difícil ficar.
Obviamente, não estou comparando as duas situações - eu não queria, de jeito nenhum, ter sido escolhida pra sair, é muito pior. É só que eu não esperava mesmo, nunca havia passado por isso.
Dias depois, conversando com uma colega, comentei que, às vezes, eu ligava o computador e ficava só olhando para a tela sem conseguir me mexer por vários minutos. Ela respondeu que sentia o mesmo e comparou com a série The Walking Dead. Nunca assisti (quem me conhece sabe que eu só assisto sitcom velha), mas, pelo pouco que sei sobre a série, aquilo fez sentido e eu soube que precisava compartilhar minha experiência.
O que eu aprendi sobrevivendo a uma demissão em massa
Não existe jeito certo
Existem várias maneiras erradas de demitir, mas, como alguém que já foi demitida mais de uma vez, estou convicta de que não existe jeito certo. Quando é uma demissão em massa, fica ainda mais difícil, porque você está lidando com dezenas de vidas, cada uma com as suas particularidades.
Algumas pessoas preferem que as lideranças chamem cada uma delas em uma reunião e comuniquem a decisão individualmente; outras, preferem um e-mail em que todos ficam sabendo ao mesmo tempo. Eu, pessoalmente, sou do segundo grupo, meu transtorno de ansiedade me mataria se eu tivesse que esperar a minha vez.
Existem diversas variáveis, mas um fato é que a demissão sempre terá impactos negativos financeiros e emocionais.
Tudo bem ter sentimentos conflitantes
Você está feliz por ter ficado, mas também se sente culpado ao ver as pessoas se despedindo. Você entra no LinkedIn, vê o desabafo de uma colega que está com raiva, falando mal da empresa, e empatiza com ela. Aí você anda pelo escritório, vê um diretor chorando e pensa que ele realmente se importa com as pessoas.
E aí? Quais emoções são as certas?
Todas.
Nós somos seres humanos, temos sentimentos conflitantes o tempo todo.
A colega que desabafou no LinkedIn tem a razão dela em odiar a empresa, você não precisa discutir. A diretoria com certeza sabia que estava sujeita a isso quando tomou a decisão (e decisões difíceis precisam ser tomadas mesmo assim).
Não espere produtividade
Se você é líder, não espere que a produtividade do seu time seja a mesma nas semanas que seguem um impacto tão grande.
Se você está passando por esse momento e a sua liderança está te cobrando, tente não se culpar e seja o mais transparente possível com relação ao que podem esperar de você.
Digo “o mais transparente possível” porque sei que nem todas as empresas promovem um ambiente seguro para que as pessoas possam se abrir assim. Quando aconteceu, eu tive o privilégio de poder dizer ao meu líder que não estava conseguindo produzir nada e que havia dispensado meu time de todas as reuniões da semana.
De qualquer forma, tente fazer um alinhamento de expectativas, negociando antecipadamente os prazos e escopos para não se esgotar.
A empresa inteira precisa de tempo para se reorganizar
Lembra das aulas de Ciências do Ensino Médio que falavam sobre o equilíbrio dos sistemas? Em uma equação Física, se eu mudo uma variável de um lado, o outro lado também tem que mudar. Na Química, se um átomo é acrescentado, os outros ajustam as distâncias entre si. Na Biologia, se uma espécie de inseto se reproduz descontroladamente, seus predadores também precisam aumentar.
Isso também se aplica às dinâmicas dos times: Se uma pessoa entra, sai ou muda de função, a equipe perde o equilíbrio até se reorganizar.
O que acontece quando dezenas de pessoas saem da empresa? É como se uma empresa nova surgisse naquele momento, mas carregando todo o peso das atividades e clientes que a empresa antiga deixou.
A reorganização leva tempo e pode custar várias tentativas frustradas. Algumas pessoas podem deixar a empresa no caminho, seja por escolha própria ou por não se encaixarem na nova estrutura. Outras pessoas podem se destacar e crescer rapidamente. Não há como prever.
Tenha paciência com seus colegas e lideranças, pois, se está difícil pra você, está difícil para eles também.
Proatividade com as novas funções
Obviamente, com a saída de tantas pessoas, algumas atividades ficarão sem dono e outras pessoas precisarão assumir. Isso pode ser um fardo ou uma oportunidade, dependendo do contexto.
No meu caso, eu tive a oportunidade de atuar em um nível mais estratégico, pois passei a ser responsável por toda a área de produto da empresa. Fiquei mais próxima do comercial e do marketing, o que antes não era uma prioridade pelo escopo da tribo que cuidava.
Mas também recusei assumir responsabilidades que poderiam se tornar um fardo. Infelizmente, mais uma vez, nem todas as empresas oferecem um ambiente seguro para as pessoas se recusarem a fazer uma atividade.
O que você pode fazer é se antecipar e buscar proativamente as atividades que acredita poder assumir.
Não estou dizendo para encarar tudo com um sorriso no rosto e a positividade tóxica dos coaches do Linkedisney (você JAMAIS vai me ver fazendo isso). Tudo bem se você não quiser nenhuma responsabilidade a mais, é seu direito. Mas pode ser que elas sejam jogadas no seu colo e você não consiga evitar, só estou oferecendo uma alternativa para que você tenha um mínimo de controle sobre quais serão essas novas responsabilidades.
Encontre uma rede de apoio interna
Ninguém vive sozinho, somos seres sociáveis. Eu não costumo ser aquela pessoa sociável que faz amigos para a vida inteira no trabalho, mas acredito que precisamos ter conexões verdadeiras e pessoas aliadas em todos os lugares - essa é a sua rede de apoio.
Terapia, família, amizades, tudo isso ajuda a passar por momentos difíceis no trabalho, mas não substitui uma boa rede de apoio interna.
Seus colegas são as únicas pessoas que estão passando pelo mesmo que você. É importante ter alguém com quem você possa contar, seja para te ajudar em uma tarefa ou apenas para desabafar.
Eu tenho sorte de ter um bom líder, um time incrível e pares que são parceiros de verdade. Mas, mesmo quando trabalhava em ambientes menos amigáveis, sempre tive pelo menos uma pessoa mais próxima.
E como encontrar uma rede de apoio? A forma mais fácil é sendo rede de apoio. Quem pode contar com você? Seu time, sua liderança, seus pares? Seja o ouvido amigo que você gostaria de ter.
Conclusão - O que é importante para mim?
Além de todos esses aprendizados, os primeiros meses após o impacto das demissões também serviram para eu questionar o que quero para o meu futuro profissional no curto e médio prazo.
Tenho planos, adoro planos, mas eles sempre precisam ser revistos e aquele foi mais um momento de revisão.
No início, foi frustrante, pois meus planos incluiam ficar na empresa por vários e, de repente, me peguei pensando que precisava sair dali o mais rápido possível. Comecei a pesquisar vagas, cheguei a marcar uma entrevista (que, depois, já com a cabeça fria, cancelei).
Eu não gosto de mudar de emprego. Antes de entrar nessa empresa, passei dois anos trabalhando como PJ, com salário baixo e sem nenhum direito, isso depois de ser demitida em outubro de 2019 e ficar oito meses desempregada devido à pandemia. Estava muito feliz comemorando meus sete meses com a CLT assinada novamente, prestes a receber a primeira parcela do 13º, quando veio esse baque. Se era para sair e recomeçar, quis fazer isso logo.
Com o tempo (mais a terapia e os remédios da ansiedade), fui me acalmando e percebi que, com tantas empresas demitindo, aquele era o pior momento para mudar de emprego. Se acontecesse de eu ser demitida, pelo menos eu teria o acerto e o FGTS daqueles 7+ meses, mas e se eu mudasse e a nova empresa demitisse também?
Nenhuma empresa é perfeita, então listei tudo o que gosto, o que não gosto e o quanto cada um daqueles pontos é relevante para mim. Os dois itens que mais pesaram foram a autonomia e o trabalho remoto. Num momento em que diversas empresas estão retornando ao presencial, muitas vezes sem motivos razoáveis e apenas para satisfazer à necessidade de controle da alta gestão, reconheço o privilégio que tenho por não precisar me preocupar com isso.
Hoje, percebo que tomei a decisão certa em ficar. Estou em um bom momento, tenho proximidade com o CEO, atuo em projetos estratégicos da empresa, vejo meu time se destacar cada vez mais e não preciso me matar de trabalhar (temos o que chamo de “ritmo mineiro” de trabalho, que é diferente do ritmo paulista, mas isso é assunto pra outra hora).
Estou contando isso aqui porque eu sei que o desespero bate. É normal, é humano, mas não é saudável tomar grandes decisões quando você está com o emocional tão abalado.
Espero que você não esteja passando e nem passe por nada disso. Mas, se estiver, espero que minha experiência ajude a tornar as coisas um pouco mais fáceis pra você.
Até a próxima!
Asteriscos
Já me segue no Instagram? Se você gosta de conteúdos leves com referências pop que podem ou não fazer sentido, vai adorar o meu perfil. Vou deixar alguns aqui pra te dar um gostinho.