#04 Seu produto não precisa ser o melhor em tudo
Uma lição da Academia Itaú de Criadores para a gestão de produtos
Como comentei na última newsletter e em minhas redes sociais, fui selecionada para a primeira fase da Academia Itaú de Criadores. Durante três noites, tivemos momentos incríveis com pessoas de referência na área de conteúdo, como Bia Granja, Thaynara OG e Verônica Oliveira.
A criação de conteúdo faz parte da minha vida tanto quanto produto e tecnologia. Faz 18 anos que comecei a trabalhar com tecnologia e também faz 18 anos que comecei a escrever “blog diarinho” em uma antiga rede social concorrente do Orkut chamada 1 Grau (alguém conhece?).
Apesar disso, ao contrário da maioria das pessoas que estavam ali, não quero deixar meu trabalho formal para viver de conteúdo, pelo contrário, meu conteúdo faz parte do meu trabalho. Assim, como meu cérebro adora fazer conexões aparentemente aleatórias, consigo enxergar vários dos pontos abordados ali que também fazem sentido na gestão de produtos. Hoje, quero trazer um desses.
Antes de continuar, um aviso: A maioria dos meus conteúdos são focados em pessoas iniciantes. Este, porém, tem em mente as pessoas que já estão trabalhando com produto há algum tempo e possuem autonomia para tomar decisões - ou seja, o nível pleno.
Seu produto não precisa ser o melhor em tudo, mas precisa ser muito bom em algo
Lembra que, na primeira newsletter, eu falei sobre maximizar seus pontos fortes? Isso não vale apenas para a sua carreira, mas também para o seu produto.
Dizem que estamos na era dos SuperApps, aqueles produtos que fazem de tudo. Temos exemplos de Magalu, iFood, Banco Inter e mesmo o Instagram, que vão acrescentando funcionalidade em cima de funcionalidade, para que as pessoas usuárias possam tirar o máximo proveito daquela experiência.
Apesar disso, a realidade é que nenhum produto vai ser bom em tudo. Nem os grandes são! O Rappi, que tentou ser um SuperApp antes do iFood, tinha uma experiência de usuário que deixava muito a desejar - digo “tinha”, no passado, porque deixei de usar há mais de um ano, trocando por um concorrente mais simples. Inter tem tantos botões, que, às vezes, tenho dificuldades para encontrar os que preciso.
Seu produto não precisa ser o melhor em tudo. Se sua empresa tem essa expectativa, ela vai se frustrar, principalmente se for uma empresa pequena.
Seu produto precisa ser ótimo em alguma coisa. De preferência, precisa ser melhor que os concorrentes. E não pode ser qualquer coisa, tem que ser algo relevante para a sua persona usuária. Isso quer dizer que, se você trabalha em um banco digital, não faz sentido seu produto ser o melhor em atualizar a foto de perfil do usuário - mas, talvez, esse seja um ponto válido se você estiver criando um aplicativo de relacionamentos.
Além de ser o melhor em um ponto, todas as outras funcionalidades precisam funcionar com um nível mínimo de qualidade. Qualidade nunca é opcional! Se uma funcionalidade não é importante o bastante para ser feita com qualidade, ela não deveria fazer parte do produto.
Para definir o mínimo de funcionalidades obrigatórias que seu produto precisa ter funcionando com qualidade, recomendo utilizar o Kano Model.
Agora, eu vou te contar como decidir em quais pontos você deve investir para seu produto se tornar o melhor.
Exemplo
Se alguém te perguntar qual o melhor streaming, o que você considerará na resposta?
Considerando o melhor conteúdo em filmes e séries, eu escolho HBO Max. Considerando a experiência de usuário, ninguém bate a Netflix. Se a questão for qual é o que eu mais utilizo, Spotify. Se eu ficar sem dinheiro e precisar manter apenas um, fico com o Amazon Prime Video, que é mais barato.
Qual deles eu assino? Os quatro. Nenhum deles é um SuperApp, mas cada um deles é melhor que as opções concorrentes em atender uma necessidade específica.
HBO Max tem aquelas séries favoritas que eu vejo mil vezes quando estou em crise de ansiedade sem conseguir assistir nada novo (Friends e TBBT) e vários outros conteúdos que me atraem.
Netflix tem um catálogo gigante de qualidade intermediária para aqueles momentos em que eu quero ver algo sem muitas pretensões. Também tem um bom desempenho e é muito fácil de usar.
Spotify é meu companheiro de trabalho, de academia, de faxina. Também tem séries (áudio séries), mas não substitui os outros, porque eu não gosto de conteúdos em áudio.
Amazon Prime Video não tem o catálogo mais extenso e nem chega perto da melhor experiência (pelo contrário, tem a pior), mas é barato e está atrelado aos demais benefícios do Prime.
Qual desses o seu produto quer ser?
Exercício
Pegue uma folha de papel, uma planilha ou uma página no Notion.
Na primeira coluna, liste todas as funcionalidades relevantes que seu produto oferece.
Na segunda coluna, dê uma nota de 0 a 5 para a relevância daquela funcionalidade para as pessoas usuárias.
Na terceira coluna, dê uma nota de 0 a 5 para a qualidade da experiência que seu produto oferece naquela funcionalidade.
Nas colunas seguintes, dê uma nota de 0 a 5 para a qualidade da experiência que os produtos concorrentes oferecem naquela funcionalidade.
Responda: Em que funcionalidades seu produto é o melhor?
Estou falando em funcionalidades para simplificar, mas você pode expandir o raciocínio para jornadas ou tarefas (os jobs to be done).
Se o seu produto não for o melhor em pelo menos um item de relevância, você tem outra pergunta para responder: Por que as pessoas escolheriam o seu produto em vez dos concorrentes?
Pode ser que a sua resposta seja o preço ou o fato do produto estar atrelado a outros, como no exemplo do Amazon Prime, mas esse é um motivo fraco. Se até a existência do Prime Video é questionada, imagina se você não for a Amazon. Outro exemplo desse tipo é o Internet Explorer - nem o fato de vir instalado no Windows impediu sua lenta morte.
Antes de se desesperar pensando que seu produto vai morrer, faça mais uma pergunta: Quais as necessidades que os produtos concorrentes não estão atendendo e que você pode atender? Ali moram as suas maiores oportunidades (vale a pena usar a Árvore de Oportunidades da Teresa Torres).
Descobrindo as oportunidades, você vai se aprofundar nas pessoas usuárias potencialmente beneficiadas por ela. Mas isso já é assunto para outro dia.
Aleatoriedades
Errata
Na newsletter da semana passada, indiquei um roadmap de estudos que vi no LinkedIn, mas o link estava errado. Acesse aqui o link correto. Aproveite para conhecer a autora.
Vale a pena ler de novo
Já que falei da rainha do discovery, Teresa Torres, que tal rever esses dois posts em que eu falo sobre o livro dela, Continuous Discovery Habits?
Excelente reflexão! E super concordo com os exemplos que trouxe!