#08 O maior erro que eu cometi como head de produto
Nem tudo precisa ser produtizado, e eu vou te contar por quê
Vamos construir um CRM?
Em março de 2021, comecei minha jornada como Head de Produto e Tecnologia em uma startup do ramo imobiliário. Ali, liderei dois squads com nove pessoas desenvolvedoras, uma designer e duas product managers que cuidavam de uma plataforma web para busca de imóveis e um aplicativo que os corretores utilizavam para gerenciar a jornada dos clientes que eles estavam acompanhando.
No meio do mês de maio, percebemos que esse aplicativo não atendia a todas as necessidades de acompanhamento de clientes por essas pessoas corretoras, precisávamos de um CRM. Existem diversos CRMs de prateleira, inclusive alguns focados no mercado imobiliário, mas optamos por construir um novo produto. Na época, tínhamos bons argumentos para não continuar evoluindo o produto existente e essa pareceu uma boa decisão.
Fizemos tudo certo, seguimos todos os passos. Foi uma das poucas vezes em que tive a oportunidade de começar um produto do zero, desde a descoberta do problema até a construção da primeira versão.
Planejamos um lançamento em fases que ocorreria após três meses, começando com o grupo mais engajado dos nossos pouco mais de trinta corretores. Colhemos feedback, corrigimos alguns erros e, na semana seguinte, expandimos para o segundo grupo de corretores. Nesse ponto, o que era para ser o início do ciclo de vida normal de um produto transformou-se no fim de um experimento que, na visão da empresa, foi um fracasso.
Mas, afinal, o que aconteceu?
Na minha visão, como pessoa de produto, erros são comuns e podemos aprender com eles. Cada reclamação de uma pessoa usuária era uma possibilidade de melhoria para a próxima iteração. E nós sabemos que nenhum produto é perfeito, principalmente um produto descoberto e desenvolvido em pouco mais de três meses.
Porém, no ambiente de alta pressão e cultura tradicional em que aquelas pessoas estavam inseridas, esperar por pequenas melhorias semanais não era uma opção. Elas simplesmente não iriam utilizar aquele produto até que estivesse completo e sem falhas. A simples ausência de um botão que existia no aplicativo anterior, mesmo que elas não o utilizassem com frequência (e que por isso não tenha sido incluído na versão inicial) era motivo para desconfiarem e se recusarem a colaborar - afinal, elas tinham mais o que fazer.
E a culpa é de quem? Seria muito fácil dizer que o problema estava nessas pessoas, mas a verdade foi que eu mesma pulei uma etapa importante no processo de decisão: A de entender se aquilo precisava mesmo ser produtizado.
Construir como produto - ou seja, ciclos curtos de descoberta, desenvolvimento e feedback - me pareceu a escolha mais lógica, porque significaria um custo mais baixo do que adquirir uma ferramenta de mercado e também levaria menos tempo do que construir como um grande projeto de software. Mas não considerei o aspecto humano e acabei tentando inserir à força essa tal “cultura de produto”, usando esses tais “métodos ágeis” em uma empresa que não estava preparada para tantas mudanças.
Quando não produtizar
Quando as pessoas interessadas não estão prontas para colaborar com você
Para mim, esse foi o principal problema.
Os motivos podem ser diversos. Pode ser por falta de interesse, a pessoa não vê benefícios em colaborar, pois está confortável com a maneira que as coisas são feitas e não deseja mudar.
Também pode ser falta de tempo. Quem tem tempo sobrando, não é mesmo? São 439 reuniões por semana, mensagens pra responder, boards pra atualizar, não espere ser prioridade de quem tem outras mil urgências na mesa.
Ou pode ser falta de conhecimento, que era o caso de algumas pessoas que seriam usuárias do meu produto. Elas se decepcionaram porque esperavam algo diferente, algo muito maior. Então, era tarde demais para explicar que aquela pequena versão que estávamos entregando já as ajudaria muito mais do que o aplicativo anterior, pois resolveria os problemas mais graves e mais frequentes.
As pessoas da empresa sabiam, mas não eram elas que iriam utilizar o produto no dia-a-dia, eram os corretores que, embora tenham sido envolvidos durante o processo de descoberta, por diversos motivos que não vêm ao caso, não tinham total conhecimento do que estava acontecendo. Como resultado, não adiantou pedir paciência.
Quando existem produtos de mercado que atendem à sua necessidade
Build vs buy - A decisão que todo líder de produto e tecnologia já teve que tomar pelo menos uma vez na vida. Esse é um dilema conhecido, que sozinho já daria um post inteiro, mas vale a pena mencionar.
Na história do CRM, essa foi uma análise que eu fiz e optei por construir. Mais tarde, quando desistimos do produto, refizemos a análise, alguns fatores haviam mudado e optamos por contratar um CRM de mercado.
Hoje, como Head de Produto da Minu, eu e meus pares de tecnologia nos deparamos com essa questão eventualmente. Para decidir, é preciso avaliar alguns fatores, como:
Conhecimento técnico da equipe interna para construir;
Urgência da necessidade;
Custo da contratação de um produto de mercado;
Custo de oportunidade de se alocar um time interno para esse desenvolvimento.
Nossos produtos não são 100% internos, temos parceiros importantes que nos apoiam. De forma semelhante, a Minu está presente como parceira em produtos de outras empresas para as quais levamos nossa expertise em programas de fidelização e recompensas (inclusive, se o seu produto precisar, vamos bater um papo). Obviamente, não posso abrir os nomes dos nossos clientes, mas, se você mora no Brasil, tenho certeza que já viu pelo menos um programa nosso sem saber.
Então, se os nossos parceiros contam conosco para estar dentro do produto deles, por que nós não poderíamos fazer o mesmo e contar com outros produtos que fazem bem aquilo que é periférico em nosso produto?
Quando o que você precisa é de um projeto com início, meio e fim
Já viram aquela frase “pra quem só sabe usar o martelo, todo problema parece um prego”?
Bom, para quem está começando em uma posição nova em produto, todo problema é resolvido com produto. É produto produto produto produto produto. Ai de quem falar em projeto.
Eu trabalhei com projetos de software por muito tempo. Também havia produto ali no meio, mas quando decidi virar a chave para focar em produto, foi uma virada de 180 graus. Essa startup foi meu segundo emprego apenas em produto e eu ainda tinha dificuldades em balancear essas duas visões.
Projeto e produto são duas entidades que precisam coexistir. Às vezes, elas possuem pontos de intersecção - ou de colisão. Às vezes, seguem em linhas paralelas sem interferir. Mas não são rivais. Produto não precisa da minha defesa incondicional. Nem da sua.
E times de produto podem fazer projetos, porque raramente as empresas terão recursos financeiros para manter equipes de desenvolvimento separadas.
Na história do CRM, eu hoje me questiono se não teria sido melhor optar por um projeto mais tradicional. Não precisava ser totalmente tradicional, uma super cascata, mas algo que entregasse um sistema mais completo em vez de entregar apenas uma “primeira versão”.
Nós já sabíamos o que as pessoas precisavam, não era um produto de requisitos complexos, tanto que a etapa de discovery foi rápida e o tempo previsto não foi distante do real. Por que não fizemos o pacote completo?
Conclusão
Não posso voltar atrás para corrigir o que errei há dois anos e nem gostaria, pois estou feliz em meu momento atual. Mas devemos sempre aprender com os erros. Felizmente, esse foi um erro que eu não repeti e espero não repetir.
Meu objetivo ao compartilhar minha experiência é te convidar a se questionar quando estiver diante de uma decisão como a que eu tomei. Pare e pergunte: Eu preciso mesmo criar um novo produto?
Aproveitando, já que falei do eterno dilema Produto x Projeto, tenho um post sobre isso no Instagram, lá dos primórdios da página.
Se você gosta de ler sobre os erros alheios (todo mundo gosta), o do CRM não foi o único, tem outros nesse post aqui:
E, aproveitando o assunto do momento, lembre-se: Se você decidir produtizar, seu produto não precisa e não será perfeito.
Até a próxima!